12 maio, 2010

Ser capaz



(Image by Lorenz and Avelar)


A escritora Hilda Hilst está tendo sua obra reeditada pela editora Globo desde o ano passado, e o primeiro livro a ser relançado foi A obscena senhora D. No texto de apresentação, o organizador das reedições explica por que considerou esse o livro certo para iniciar as publicações: "É uma pancada justa, certeira, para apresentá-la sem meias medidas aos leitores potenciais, capazes dela".

Capazes dela. Capazes de um texto que causa desconforto e desconcerto. Capazes de um texto que execra o bom mocismo. Capazes de absorver uma literatura em nenhum aspecto fácil. Os capazes de Hilda Hilst são capazes de Anaïs Nin, que são capazes de Rimbaud, que são capazes de absorver o delírio, a inquietação e a profundidade de nossas incertezas, portanto incapazes de um Sidney Sheldon.

Não é para falar de livros esta crônica. É para falar de capacidade. Do quanto somos ou não capazes de enfrentar nossas limitações, capazes de noites em claro, capazes de questionar nossa própria sanidade. Do quanto somos incapazes para fórmulas prontas, incapazes de concordar cegamente com o que parece fazer sentido, incapazes de dizer amém.

Do que você é capaz?

Sou capaz de quase tudo, talvez até de matar e morrer se a dor for insuportável. Sou capaz para o ilegal, o imoral e o insano, só não me sinto capaz para o injusto. Sou capaz de coisas que jamais farei, como me atirar de para-quedas de um avião, beber óleo de fígado de bacalhau e injetar silicone nos lábios, apenas nunca farei porque não há o que me motive.

Sou capaz para o segredo, sou capaz para o inferno, sou capaz para o silêncio, sou capaz para o irrecuperável, sou capaz para o fracasso, sou capaz para o medo, sou capaz para o bizarro. Minha incapacidade é para a frescura, para a fofoca, para a vaidade, para a seriedade que conferem ao que é irrelevante, quase tudo que está à vista.

Sou capaz para o que não conheço e torno-me incapaz para o que conheço bem demais. Sou pouco capaz para a matemática, para a física, para a culinária, para a religião. Talvez seja capaz para a mediunidade, mas nunca tentei. Sou capaz para a loucura, mas costumo frear a tempo. E, quando preciso de solidão, sou capaz de me declarar inábil para tudo o mais, na esperança secreta de ser deixada em paz.

Martha Medeiros


Do que você é capaz?


Ontem estava chateada com o planeta, nem vou falar com o que exatamente porque não sei, por isso melhor englobar todo o planeta (sou controladora, prefiro pecar pelo excesso). Tenho alguns livros da Martha que ficam ao lado da minha cama, e geralmente leio alguma coisa antes de dormir, nos momentos de raiva, e quando me sinto bem também... E acabei lendo esse texto hoje... Provocada pelo título: “Ser capaz”. Acho que “do que somos capazes” é uma pergunta que nos fazemos demais (de menos às vezes) durante a vida.


Tudo bem que do alto dos meus 26 anos, não é exatamente “durante a vida”, mas digamos que se trate de uma experiência significativa. Na realidade o que me intrigou é que a cada dia encontramos novas respostas para essa pergunta... E em compensação continuamos à fazê-la, mais e mais. Fiquei pensando em quantas coisas deixamos de fazer por conta justamente de questionar a nossa capacidade. E talvez em quantas outras nos encorajamos justamente por nos sentirmos capazes... E o quanto esse pergunta chata, confusa, provocadora, encorajadora... nos movimenta.


Continuo sem conseguir pontuar exatamente do que sou capaz (ainda que a Martha dê conta de algumas coisas muito bem...) sou capaz de insistir quando acredito (é, teimosia pode ser uma virtude), de brigar pelo que penso, de deixar o medo falar mais alto às vezes... Sou capaz de sobreviver a situações que jurava que me tirariam o eixo pra sempre (que o diga minha terapeuta), sou capaz também de desistir das coisas mais hipotéticas do planeta, só por pensar que não era capaz...  Entretanto, para o equilíbrio do planeta (mais especificamente do meu equilíbrio e por sua vez dos outros na minha órbita) sou capaz de ser capaz quando não acreditava que seria, e de sobreviver quando não o sou...


Sou capaz de convencer as pessoas de algumas maluquices (na maioria das vezes boas), sou capaz para a dor, para rir de coisas boas e ruins, sou capaz de pensar em 234 mil hipóteses antes de tomar uma decisão, capaz de imaginar as coisas mais piradas do planeta (tá vendo como sou exagerada?), sou capaz para o exagero também, e é claro capaz de parar às vezes antes desse exagero se concretizar. Mas sou incapaz para a espera, para a dúvida, para o que me provoca medo.  


Queria muito dizer que não sou capaz de ir contra o que penso, o que quero e o que sinto, mas parece que capacidade mesmo eu tenho para ser humana... e assim, às vezes ser incapaz de fazer o que eu mais queria. Entretanto, gosto de pensar na possibilidade de a qualquer hora dessas fazer coisas que nunca pensei que seria capaz...

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